Zé Povinho na Lanterna Mágica |
Personagem intemporal, desalinhado em energia, na retórica e na postura, o Zé Povinho desenha-se no traço grosseiro da robustez que caricatura o nosso colectivo.Rindo ou gesticulando em descaramentos, intervém ora vitimizando-se e submetendo-se, ora como alerta de consciências não libertas de preconceitos. Entre a boémia e o laicismo, a actualidade de Seu Zé Povinho não se esgota naquilo que configura a sua personalidade popular, pelo contrário transborda da tipificação para a excelência do pretexto que aponta ao comentário e à critica. Não poupando nada, nem ninguém, não se contém em sarcasmos perante os factos políticos sociais e institucionais. A sua intervenção opinativa na vida do país revela-se miticamente como reflexo de desejos, sentimentos e necessidades que se descobrem pela praxis. Controversa e metafórica, a figura do Zé Povinho cresce na ambiguidade que se joga entre o cinismo social e a revolta genuína. Decorre da impotência que se denuncia no manguito e que exorciza com a sabedoria popular o acto de cruzar os braços. De apelido Povinho, diminutivo de todos nós, Seu Zé nasce com respeito contraditório do que está para além de senhor (Seu) e do que está aquém do diminutivo dobrado (Zé e Povinho). Rapidamente se torna familiar perdendo o trato deferente e incorporando o todo das características tipificadoras das gentes portuguesas. Deformado e deformador impõe-se com o vigor que o eco da popularidade nacional lhe confere. Com argúcia desvenda a injustiça e o grotesco, mas é no entanto com paciência e submissão que digere o seu próprio destino. Nasce com o 5º número da revista A Lanterna Mágica, de 12 de Junho de 1875.Em 1879, com o lançamento do novo jornal O António Maria (Primeira Série), apesar de analfabeto, emerge com uma presença constante que ridiculariza os factos nacionais.Zé Povinho espalha indiscriminadamente todo o seu fôlego satírico, ilustrando o catálogo da vida nacional, política e social, e das suas incongruências.Com a consistência do ícone atravessa os periódicos que lhe dão vida ousando entre o arrojo e o fatalismo. Com os Pontos nos ii, o Zé mantém a pertinência da sua crítica, agora mais revestido de rebelião e aproximando-se dos ideais republicanos. Mas, também destes se ri. Da rebeldia das suas atitudes sobram indignações e pessimismo. Na Segunda Série de O António Maria mantém o enfoque certeiro que ridiculariza as conjunturas da instabilidade alimentada na crise política e económica. A censura que suspende a Paródia, dois anos após a morte do criador de Seu Zé, enterra um discurso em desenho, mas não a figura que ainda hoje representa a fatalidade de se ser português, melancolicamente sobrevivente.
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