Império Colonial Português |
Com início no norte de Angola, em Fevereiro de 1961, a Guerra Colonial apenas terminou quando o regime de Marcelo Caetano, foi derrubado a 25 de Abril de 1974, e com a abertura do processo de descolonização nos anos de 1974 e 1975. Ao longo de treze anos de luta militar, Portugal enviou para África centenas de milhares de soldados, com um número oficial de mortos que rondou os 9000 homens, e dezenas de milhares de feridos, a juntar a um número ainda superior de baixas entre guerrilheiros e civis guineenses, angolanos e moçambicanos.
Em 1974, ao derrubarem o regime, os «Capitães de Abril» faziam da descolonização um dos seus objectivos principais. A braços com uma grande indefinição política interna, o novo regime português reconheceu, em 1974, a independência da Guiné-Bissau e de Moçambique e, em 1975, a de Cabo Verde e Angola. Só no Verão de 1975 cessaram definitivamente os combates envolvendo portugueses em África. Chegava a hora da retirada, encerrando-se finalmente o longo ciclo do império.
INDEPENDÊNCIA DAS COLÓNIAS
O programa do MFA tinha como grandes objectivos democratizar, desenvolver e descolonizar. Por isso, a descolonização foi considerada prioritária para o 1º Governo Provisório. Em Julho de 1974, o Presidente da República, general António de Spínola, reconheceu o direito à autodeterminação e à independência das nossas colónias.
As negociações com os movimentos de libertação levaram, ainda em 1974, à independência da Guiné-Bissau (10 de setembro de 1974 ). Em Junho de 1975 (25 de Junho de 1975 ),Moçambique alcançou a independência e , em Julho do mesmo ano , Cabo Verde (5 de Julho de 1975 ) e São Tomé e Príncipe (12 de Julho de 1975 ). Em Novembro(11 de novembro de 1975) foi a vez de Angola se tornar um Estado independente. À excepção de Macau e Timor, (28 de Novembro de 1975) todas as colónias portuguesas se tornaram independentes. Portugal restituiu Macau à China apenas em 1999(20 de Dezembro de 1999) . Timor-Leste, cujo processo de descolonização foi interrompido pela invasão da Indonésia, só se tornou independente em 20 de Maio de 2002
OS RETORNADOS
Portugal vivia momentos difíceis de crise económica, de reivindicações de toda a ordem, face à nova realidade que resultou do 25 de Abril de 1974, e eis que surge um problema dramático: as ainda colónias portuguesas estavam a ferver com os movimentos políticos pró-independência que se digladiavam para marcar terreno.
Em Angola, face aos acontecimentos ocorridos no Lobito e em Benguela, as populações temiam ser mortas e fugiam para Luanda, auxiliadas pelas poucas forças armadas portuguesas ainda espalhadas pelo território. Por todo o país grassavam assaltos, roubos e violações. No aeroporto de Luanda, milhares de pessoas aguardavam, nas piores condições de salubridade, um lugar nos aviões Jumbo da TAP, que transportavam a um ritmo de mais de mil pessoas por dia as cerca de 250 mil que queriam regressar. Foi, por isso, necessária uma ponte aérea Luanda-Lisboa. A famosa 5ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas, num claro e dramático comunicado datado de finais de Julho, dizia: "As populações estão tremendamente traumatizadas, pelo que se afigura extremamente difícil manterem-se aqui".
À chegada a Lisboa aguardava-os igual confusão. Sob os auspícios do IARN (um polémico organismo criado para o efeito), todos seriam espalhados pelo país
Vivem-se vidas inteiras sem conhecer o desespero. Mas esse sentimento rude, amargo, foi partilhado em 1975 por centenas de milhares de portugueses em Angola sobretudo, em Moçambique, na Guiné (até em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor), cidades inteiras de pessoas felizes, prósperas, esperançosas, com uma absurda confiança no futuro, viram-se de repente sem vida social, sem emprego, sem casa, com o dinheiro congelado nos bancos e um terrível sentimento de perigo em relação às suas vidas e às da sua família.
O desespero tem espinhos, alguns aguçados, e os seus bicos empurram as pessoas para o abismo. Em 30 de Junho, em Luanda, um grupo de 2500 residentes em Angola anunciou que, não conseguindo obter passagens aéreas ou marítimas para Lisboa, tencionava fazer a viagem até Portugal por via rodoviária, atravessando oito mil quilómetros de países africanos no sentido sul-norte ao longo de 90 dias. A caravana motorizada esteve organizada para ser constituída por 200 camiões e 500 automóveis particulares, sendo os suprimentos destinados a 15 camiões-frigoríficos com capacidade para transportar 30 toneladas de alimentos cada um. Alguns veículos foram transformados em oficinas móveis para fazer face à inclemência do trajecto e um dos organizadores, Guilherme dos Santos, fez contactos formais com a Cruz Vermelha Internacional e com a Comissão das Nações Unidas para os Refugiados para, na medida do possível, ajudarem essa travessia das selvas, savanas e desertos do continente africano.
Acabaram por não avançar para esse louco caminho para a morte. Mais a sul, porém, houve traineiras a largar de Porto Alexandre, cheias de gente, em direcção a Portugal, onde chegaram, com muita sorte, sem males de maior. Outros barcos de pesca artesanais cruzaram o Atlântico para despejarem no Brasil "retornados" que, afinal, não retornaram a Portugal. E quase todos os que puderam escaparam por terra em direcção à África do Sul, e a outros países limítrofes, em alguns casos viajando com máquinas de obras públicas que iam aplainando os acidentes do caminho.
"O que dominou o primeiro tempo da chegada foi uma grande confusão na cabeça das pessoas", recorda Rui Pena Pires, sociólogo das migrações e, também ele, retornado de África (ver texto ao lado). "Mais do que a revolta, as pessoas tentavam perceber como é que se poderiam instalar em Portugal. A fase da revolta veio depois". Na quantidade tremenda de gente que desaguou em Portugal aconteceu de tudo. Uma pequena minoria tinha acautelado o seu património e preparado o seu regresso a Portugal. Outra minoria - precisamente aquela que mais tinha a perder com a independência das colónias uma vez que perdera os laços com a metrópole - nunca acreditou no pior desfecho, não preparou coisa nenhuma e veio sem nada, absolutamente nada para além da roupa que trouxe no corpo. A larga maioria, essa, conseguiu trazer alguma coisa, pouca, mas suficiente para o espectáculo dos caixotes que inundou o cais e o aeroporto de Lisboa,
Jovens, portugueses. Com a descolonização, em 1975, abre-se em Portugal o ciclo da imigração, não só com o repatriamento de meio milhão de portugueses radicados nas colónias, mas também com o início de uma migração africana que, ao contrário do repatriamento, teve continuidade até aos dias de hoje. Do número de retornados recenseados pelo INE em 1981 61% são oriundos de Angola, 34% de Moçambique e apenas 5% das restantes colónias. Quase dois terços desses retornados nasceram em Portugal (63%), embora esta proporção se inverta nas camadas mais jovens - 75% dos menores de 20 anos eram naturais das colónias.
É muito curiosa a distribuição da origem dos retornados nascidos em Portugal 32% eram naturais do Norte, 36% do Centro e 20% da região de Lisboa. Os distritos de Lisboa e Porto são os que maior número de pessoas enviou para África (12% e 11%, respectivamente), seguidos por quatro distritos do Nordeste: Viseu, Bragança, Guarda e Vila Real - é aliás com esta migração para África que se inicia o grave problema demográfico que hoje afecta o interior norte do País.
A estrutura por idade e sexo da população repatriada era, em 1981, significativamente diferente da do conjunto da população portuguesa. Há um predomínio ligeiro da população masculina, 53% são homens, em praticamente todas as classes de idades e um forte peso da população jovem 64% dos retornados tinham menos de 40 anos.
Os "tinhas". Quando começou a fazer trabalho de campo com retornados, Rui Pena Pires frequentou algumas reuniões de retornados no princípio dos anos 90. E encontrou os grupos dos ressentidos, dos ainda inconformados com a desgraça de há 15 anos, muito limitado e circunscrito. Eram "os tinhas" (como lhes chamavam todos os outros com irónica condescendência), os que estavam sempre a dizer "eu tinha", "eu tinha"...
"A partir de 1975 as pessoas não tiveram mais tempo para pensar e foram obrigadas a começar a trabalhar de uma forma um pouco mais dura do que o normal para recomeçar tudo de novo", recorda o sociólogo das migrações. "Foi a melhor coisa que podia ter acontecido se tivessem entrado numa lógica de reclamar e esperar por indemnizações ainda hoje, 30 anos volvidos, haveria situações complicadas de integração".
Sucedeu o contrário, porém. Os retornados revelaram-se como um grupo com competências muito acima da média da sociedade portuguesa e rapidamente se disseminaram pela sociedade, em vez de se constituírem como uma sociedade colectividade delimitada.
É muito interessante ouvir hoje os retornados falarem das relações entre si "É como companheiros de escola que se encontram passados uns anos e falam sobre a vida do liceu. Quando as pessoas se encontram e acabam por descobrir que são retornados, há logo ali uma relação de afectividade, há um elo comum, resultante de uma desgraça que compartilharam. Depois começam a contar como cada um evoluiu, o que significa que o que é importante já não é o ponto de partida, mas o de chegada, o que interessa é onde se está, onde se chegou".
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